ESPERANÇA
Já falei
aqui no site sobre o experimentar coisas novas, em que transmiti a ideia de
que se não fizermos diferente, tudo continuará igual.
Estamos no
início de um novo ano e esta realidade trouxe-me a vontade de vos falar sobre a
esperança. Esperança é a consciência ativa, chamada a participar da magnitude da
vida e da sua preciosidade. É a mudança camuflada, alimentada pelo
desejo e iniciativa.
Uma vez encontrada, a esperança significa que se conseguiu vencer o medo, a culpa,
a ansiedade e o desespero - “A situação está tão mal que já não poderia ficar
pior”; “vou desistir disto, é tão dificil”, “nunca vou conseguir chegar lá”! Estas
são as expressões abandonadas que dão lugar a outras cheias de vida e dinamismo
como: “eu acredito”, “eu vivo uma boa vida”, “eu vivo a vida que desejo”, “eu
sinto-me bem”.
As vezes,
no emaranhar de pensamentos pessimistas e de sentimentos duvidosos, questiona-se
a vida com tantos“se”, que o “se” torna-se o alicerce de sonhos, de projetos,
de não conquistas. Com o “se” mata-se os sonhos, vive-se realidades adversas, e
a vida torna-se um vazio, um caos. Não se dá conta de que a opção “se” impede
de alcançar o que se deseja.
Deixa-se de
querer verificar o que não está a funcionar na vida e passa-se a viver com a mágoa,
a frustação, a raiva, a inveja, o ciúme. Vive-se provavelmente “uma vida normal”, aquela vida que Lobo Antunes,
através do seu olhar médico, define como “um caos desorganizado de projetos,
emoções, sentimentos, interesses culturais, familiares, profissionais.”
A chegada de um novo ano é a altura ideal para se prestar
atenção àquele primeiro pensamento que vem à cabeça quando se acorda pela
manhã, que permanece em alguns períodos do dia, e é o último a abandonar a
mente de noite, ao adormecer. É a altura ideal para por fim ao caos e fazer um
plano de renovação.
A renovação tem como aliada a esperança. A esperança de que
as coisas mudem, que as atitudes mudem, que as relações mudem, que o peso mude,
que a rotina mude, o trabalho… “O que posso fazer?”, “por onde começo?”, estas expressões surgem quando
se está pronto para a mudança.
A esperança
chega com duas faces: a face do desafio que se vence e a do desfio que se
frusta. Este desafio não é mais do que uma competição com a própria
pessoa. É um jogo com um único jogador. Por esta razão quando um desafio se frusta
dói imenso. Muitos nem chegam sequer tentar com o medo de falhar.
Jordan B Peterson no seu livro “12 Regras para a vida: um antídoto para o
caos”, fala da “teoria de definição de metas", que se baseia na
escrita "terapêutica" ou "expressiva" das intenções. Este psicólogo
de renome dá aulas no departamento de psicologia da Universidade de Toronto e é
fascinado com os efeitos da escrita sobre a organização de pensamentos e
emoções. Ele acredita que se escrevermos metas concretas e específicas, podemos
superar os obstáculos e alcançar os objetivos a que nos propomos.
Na verdade, ao estabelecer-se uma meta corporiza-se um
sonho, e começa-se a acreditar que é possível e isto motiva a que se faça algo
para alcançá-la.
Os ensinamentos que Jordan B
Peterson apresenta passam, de entre outros, por listar os desejos, inserir passo
a passo, degrau a degrau, pequenas mudanças na rotina, até que se torne um
hábito e este se consolide numa grande conquista. Manter um registo de todos os
progressos feitos é um dos requisitos necessários. Esses ensinamentos podem ser
uma boa ajuda, quando mudar se torna necessário e imperativo.
Bernardo Soares*certo dia escreveu: (…) “Não compreendo senão como uma espécie
de falta de asseio esta inerte permanência em que jazo da minha mesma e igual
vida, ficada como pó ou porcaria na superfície de nunca mudar. Assim como
lavamos o corpo deveríamos lavar o destino, mudar de vida como mudamos de roupa
(…) ”.
Este trecho
conduz-nos, em pensamento, aquela pessoa que perante a possibilidade da mudança
se investiga, na esperança de saber quem é quem, e o que pretende encontrar na
equação adequada entre ela própria, o espaço que habita, o tempo e a realidade
que vive. Para tal é necessário que resgate a esperança e sinta a necessidade
de mudar.
O ano novo sugere uma renovação, um alento otimista, oferece
a possibilidade de se acreditar num recomeço. É uma boa altura para parar,
pensar nas escolhas a fazer, no que se deseja alcançar e realizar, e é uma boa
altura também para estabelecer a estratégia adequada para conquistar os
objetivos definidos.
Livro:*Fernando
Pessoa em Bernardo Soares - Livro do Desassossego “autobiografia sem fatos”.
Texto da autoria Decimadostelhados.